Do Realismo Fortuito ao Realismo Visual

Nessa coleção explorei as diversas fases dos desenhos de acordo com cada idade. Segundo o estudioso Luquet, a criança tem traços diferentes em cada faixa etária, isso diferencia sua maneira de simbolizar o que desenha. Essas fases segundo Luquet são: Realismo Fortuito, Realismo Fracassado, Realismo intelectual e Realismo visual.  Dessa maneira pude observar os seguintes desenhos e suas fases. Os meninos (Caio 2 anos, Rafael 4 anos, Guilherme 5 anos, Rodrigo e Victor ambos com 8 anos) foram muito espontâneos, embora tenham desenhado rapidamente, ficaram satisfeitos com suas produções. Porem a Nicole 12 anos, única menina dessa coleção, demorou a concluir e por algumas vezes utilizou a borracha para corrigir os traços que julgava imperfeitos. Após explorarem o traço com o lápis 6B, disponibilizei outros materiais, como lápis colorido e canetinha hidrocor, foi muito divertido.

Com essa coleção pude perceber as fases propostas por Luquet nos desenhos de cada faixa etária, do realismo fortuito (desenha sem intenção, é a fase das garatujas) ao realismo visual (desenha o mundo de acordo com a sua vontade, mas também pode ocorrer submissão mais ou menos infeliz à perspectiva).

A princípio, para a criança, o desenho não é um traçado executado para fazer uma imagem mas um traçado executado simplesmente para fazer linhas. (Luquet, 1969 pg.145)

Por: Juliana Nunes Hitzschky

O ambiente envolvido nos desenhos

A coleta destes desenhos foi feita na cidade de São José dos Campos, numa escola municipal de educação infantil. Nela foram coletados desenhos do Infantil I (entre 3 a 4 anos) e do Infantil III (entre 5 a 6 anos).

Foi observado que os alunos do Infantil III apresentaram maior prazer em desenhar, considerando que os mesmos já exercem mais atividades de linguagem e matemática e um tempinho para desenharem livremente é o momento de criação mais espontânea que os mesmos obtêm.

Mas a observação mais expressiva foi que nas duas séries os desenhos são muitos parecidos de um aluno para outro e, na maior parte dos desenhos, os temas também são iguais envolvendo, no infantil I, um acontecimento inusitado na escola que em comemoração ao dia das crianças foram alugados piscina de bolinhas e cama elástica e o projeto trabalhado neste semestre que é sobre os contos de fadas e castelos. No infantil III, entre os meninos o tema mais recorrente são carros e entre as meninas paisagem.

Apenas um desenho encontrou-se fora deste quadro. Uma menina de 6 anos mostrou em seu desenho um acontecimento diferente do rotineiro pessoal. Enquanto desenhava contava o que havia ocorrido. Todos os dias a menina vai, com seu irmão e sua mãe, de carro para a escola, porém neste dia o carro estava no concerto e pela primeira vez foi para a escola de ônibus. Ela desenhou o ônibus e enquanto desenhava contava os detalhes que o mesmo trazia e ia colocando no papel. Desenhou as rodas, o cobrador, o motorista, o fio que se puxa para solicitar a parada o ônibus, o lugar reservado para pessoas com deficiência. Ela estava maravilhada de andar de ônibus.

Chega-se a conclusão por meio destes que o desenho é, para as crianças, forma de expressão, em pessoal ou coletivo.

 

Por: Stela Costa

A arte e a Educação Especial

Compreender as necessidades de uma criança especial é tão fascinante quanto aprender com ela. É nesse contexto, livre e democrático, que as crianças da Educação Especial são capazes de ensinar o quanto podemos estar equivocados… Produzir Arte foge a qualquer postulado acadêmico.

Não se trata de execrar os conceitos necessários aos estudos. Trata-se de aceitar a criação como forma de aprender e ampliar o que se aprende e entender a criança em sua essência.

Estes trabalhos foram coletados em classe de Educação Especial em Deficiência Intelectual da Rede Pública Estadual, na cidade de Guarulhos.

Por: Cristina Selma Duarte Viana

 

O comportamento através da arte

É incrível a história e experiência que cada criança traz consigo. A maneira que cada uma expressa suas ideias, sua criatividade, seus medos e suas vontades é encantadora. Quando se dá à criança um lápis e um papel, ela se sente livre para explorar, e acima de tudo, representar sua vida e realidade, sendo que a ingenuidade e a imaginação fazem com que, de uma maneira muito particular, se sintam capazes de desenhar qualquer coisa, deixando que um traço transforme-se em um castelo e círculos em sol, rostos, corpos e animais.

O que pudemos observar é que o traço da criança é tão belo que passa a ser libertador: a disposição das imagens, as cores, as linhas e as formas (todas feitas sem nenhuma intervenção), formam um equilíbrio que combina todos os sentimentos.

Os pequenos (entre 3-4 anos) ainda tem forte influência da garatuja. Conforme vão crescendo, vão dando mais firmeza e racionalidade ao traço. Notamos claramente esta passagem ao acompanhar as idades: nos desenhos das crianças de até quatro anos, vemos que é mais presente as formas abstratas. Já nos maiores, as formas tomam mais precisão, mostrando que o desenho deixa de ser “infantilizado” e entra no mundo dos adultos, ou seja, acabam tornando-se estereótipos.

É extremamente curioso como a personalidade é exposta através da arte. Quando demos os materiais para eles, todos entraram em seus próprios mundos: a maioria dos meninos do primeiro ano (6-7 anos) desenharam dinossauros, lutas, sangue e todos os amigos (meninos) juntos, representando a força e uma possível autoafirmação com relação ao sexo masculino, pois é nesta fase que se inicia a diferenciação de meninos e meninas; muitas crianças desenharam também a família unida, e em suas descrições diziam o quanto gostavam dos pais e irmãos e quanto brincavam com eles.

Notamos também que, em certos desenhos, há imagens soltas, sem a diferenciação de “chão” ou “céu”, “dia” ou “noite”, “chuva” ou “sol”, isso é porque a criança ainda não tem a noção de espaço e disposição de imagens. Encontramos, em outros, figuras postas nas margens que não acompanham a linha do desenho, por exemplo, o sol de ponta cabeça e a distribuição dos corpos pela folha, que não possuem uma ordem certa, isso se dá porque nesta idade, como a criatividade está no seu ápice, a criança se vê livre para desenhar sem um ponto fixo, por isso vai “girando” a folha ao redor de seu trabalho.

A melhor hora foi quando analisamos os trabalhos e conversamos com cada criança. Pedimos a elas que falassem um pouco sobre os desenhos e contassem que história havia ali. É emocionante entrar, através do desenho, na realidade de cada uma, descobrindo os medos e anseios de uma forma incrivelmente particular. Alguns traziam histórias e explicações engraçadas, outros inventavam tudo na hora, mas cada um se expressava de um jeito único.

Na primeira escola que fomos, havia um garoto que preencheu quase toda a folha com lápis de cor, tendo um cuidado extremamente delicado em deixar algumas partes em branco, para dar mais sentido, para ele, ao seu desenho. Perguntei:

“- Por que você desenhou tudo isso?”

E ele respondeu:

“- Porque eu consigo”.

E bastou: dentro de tantos “porquês”, ele simplesmente conseguiu transmitir sua capacidade de uma maneira incrivelmente humilde.

Por: Larissa Cella Hirai Fujisaka

Diferentes nacionalidades

O método de coleta aplicado consistiu em reunir vinte e seis desenhos de crianças  entre 4 e 6 anos algumas de nacionalidades diversas, feitos em folha sulfite e lápis 6B, temática livre. Reconhecendo a criança como sujeito histórico, produtor de cultura (não mero reprodutor) e dotada de vivência singular, segue abaixo as observações sobre cada desenho.

Por: Deborah Sá

O que é o Museu do Desenho?

Mario de Andrade demonstrava grande interesse pelas crianças, sobretudo, pela forma em que manifestavam suas percepções através do desenho. O famoso escritor, poeta e ensaísta possuía um acervo pessoal de desenhos infantis, doados por seus familiares e amigos. Em 1935, organizou um concurso de desenhos para angariar mais material para análise. O método aplicado consistia em respeitar a expressão da criança, ou seja, não interferir em seu processo criativo, deixando o tema livre e que as formas escolhidas fossem traçadas espontâneamente, sem interferência de figuras prontas ou a influência de um adulto. Depois de finalizada a tarefa, quem recolhia as criações indagaria à criança o que retratara, no verso de cada folha anotava-se a descrição dita, juntamente com a data da criação, o gênero, a idade e a nacionalidade do infante.

As crianças, em especial as de pouca idade, são silenciadas e não percebidas como seres históricos, criadores de cultura, frequentemente interpretadas como meros reprodutores. Em verdade, merecem respeito e estímulo para autonomia criativa, reconhecendo tais produções enquanto registro da inventividade e historicidade, manifestação artística, poética, cultural.
A PPP (Prática Pedagógica Programada) Museu do Desenho, coordenada pela profa. Betania Libanio, UNIFESP, consiste em recolher desenhos de diversas Escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, bem como coletas livres, para análise, visando compreender o que as crianças atualmente desenham, quais são os traços e formatos recorrentes, as diferenças entre percepções de diferentes regiões e nacionalidades, o impacto das mídias e dos papeis de gênero na manifestação, e no processo criativo desses indivíduos. A atual PPP é formada por estudantes do curso de Pedagogia da UNIFESP: Cristina Selma Duarte Viana, Deborah Sá, Juliana Nunes Hitzschky, Larissa Cella Hirai Fujisaka e Stlela Costa. Profa. Coordenadora: Betania Libanio Dantas de Araujo.

Os impactos dessa experiência

Minha proximidade com crianças portadoras de necessidades especiais na ultima década me deu a oportunidade de aprender sobre eles e com eles. Incluir nesta minha aprendizagem de educador o caráter do desenho livre e puro, objeto das Práticas Pedagógicas Programadas – Museu do Desenho, sob a orientação da Professora Betânia, pode me mostrar a verdadeira dimensão do que é aprender.  Cristina Selma Duarte Viana

Me chamou atenção nessa PPP a abordagem com a produção, criação e inventividade estética das crianças, de modo geral tudo o que uma criança sente, deseja ou teme é tido pelos adultos como supérfluo  ou dissimulado. Com as coletas que realizei foi possível observar o quanto adultos tolhem o livre traçado, a escolha de cores e impõem o modo  “certo” de se desenhar. Pouco a pouco a criança é desestimulada acreditando que não sabe desenhar “direito”, por tantas respostas negativas diante da indiferença quando compartilha suas produções. Não raro,  adultos tem receio e vergonha de mostrar para alguém seus “rabiscos” por fugirem do realismo e gráficos digitalizados, continuar a prática de desenhar é se permitir expressar o movimento do corpo (porque desenho também é corporeidade), desenhar é como dançar, há aqueles que tem tanta vergonha de seus movimentos que preferem fazê-los em um lugar reservado longe dos olhares curiosos, com a PPP  tive a certeza que vale arriscar trazer a público alguns passos e traços dessa caligrafia do improviso, coreografada em ritmos e sons que compõem um pouco de nós: O desenho. Deborah Sá

A partir da pesquisa realizada com o Museu do Desenho, tive a oportunidade de observar os desenhos das crianças de uma maneira que nunca havia visto antes. Pude perceber que os desenhos possuem uma progressão de traços de acordo com a faixa etária das crianças, onde eles podem simbolizar sua realidade e explorar sua criatividade através do desenho. Sendo assim, reconheço agora, o quanto o desenho infantil se compõe de elementos cognitivos das crianças que os criam e o quão necessário se faz essas criações durante suas vidas. Juliana Nunes Hitzschky

O contato com as crianças, a partir desta PPP, me fez ver de outra forma os desenhos infantis. Não damos o devido valor ao vermos uma criança se expressar através dos desenhos, porém é impressionante observar  como a criatividade e os sentimentos são demonstrados de forma tão única e humilde. Me dei conta do quão importante é trazer para a sala de aula atividades relacionadas a desenhos e expressão, para que assim, cada criança seja capaz de desenvolver-se de forma livre. Larissa C. H. Fujisaka

Esta PPP teve um alto grau de importância para minha formação como futura professora e atualmente já trabalhando com crianças. Quando comecei a trabalhar na educação infantil eu me perguntava porque todos os dias havia desenhos, e eu, na minha primária concepção, pensava em não colocar tantos desenhos para os meus alunos quando fosse professora, e sim atividades de matemática e linguagem. Depois do projeto pude enxergar o quanto os desenhos ajudam a criança a se expressar, a se comunicar, a desenvolver a coordenação motora e a criatividade e, principalmente, a brincar.Agora observo as crianças com as quais trabalho e vejo com quanto prazer desenham e o quanto elas desenvolvem desenhando. Quando for professora com certeza vou dar e deixar que os meus alunos desenhem.  Stela Costa

“Uma, entre tantas lições deixadas por Mário de Andrade, é o compromisso com as diferentes culturas: traduzido em projetos para apresentar o povo brasileiro a ele mesmo. As crianças, e dentre elas aquelas de pouca idade, constituem um pedaço deste povo, por vezes silenciadas, não ouvidas. Mário de Andrade, em sua coleção de desenhos de meninos e meninas, valoriza as manifestações infantis nesta busca pelo povo”.   Márcia Gobbi (2005).

Este blog foi elaborado por Deborah Sá com a colaboração de Cristina Selma Duarte Viana, Juliana Nunes Hitzschky, Larissa Cella Hirai Fujisaka e Stlela Costa. Profa. Coordenadora: Betania Libanio Dantas de Araujo

Bibliografia:


GOBBI, Marcia A.  
Foi respeitada a expressão da criança quando disse o que fez: Mário de Andrade e os desenhos das crianças pequenas. I Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico-Culturais, 5 a 7 de setembro de 2005.