Mario de Andrade demonstrava grande interesse pelas crianças, sobretudo, pela forma em que manifestavam suas percepções através do desenho. O famoso escritor, poeta e ensaísta possuía um acervo pessoal de desenhos infantis, doados por seus familiares e amigos. Em 1935, organizou um concurso de desenhos para angariar mais material para análise. O método aplicado consistia em respeitar a expressão da criança, ou seja, não interferir em seu processo criativo, deixando o tema livre e que as formas escolhidas fossem traçadas espontâneamente, sem interferência de figuras prontas ou a influência de um adulto. Depois de finalizada a tarefa, quem recolhia as criações indagaria à criança o que retratara, no verso de cada folha anotava-se a descrição dita, juntamente com a data da criação, o gênero, a idade e a nacionalidade do infante.
As crianças, em especial as de pouca idade, são silenciadas e não percebidas como seres históricos, criadores de cultura, frequentemente interpretadas como meros reprodutores. Em verdade, merecem respeito e estímulo para autonomia criativa, reconhecendo tais produções enquanto registro da inventividade e historicidade, manifestação artística, poética, cultural.
A PPP (Prática Pedagógica Programada) Museu do Desenho, coordenada pela profa. Betania Libanio, UNIFESP, consiste em recolher desenhos de diversas Escolas de Educação Infantil e Ensino Fundamental, bem como coletas livres, para análise, visando compreender o que as crianças atualmente desenham, quais são os traços e formatos recorrentes, as diferenças entre percepções de diferentes regiões e nacionalidades, o impacto das mídias e dos papeis de gênero na manifestação, e no processo criativo desses indivíduos. A atual PPP é formada por estudantes do curso de Pedagogia da UNIFESP: Cristina Selma Duarte Viana, Deborah Sá, Juliana Nunes Hitzschky, Larissa Cella Hirai Fujisaka e Stlela Costa. Profa. Coordenadora: Betania Libanio Dantas de Araujo.
Os impactos dessa experiência
Minha proximidade com crianças portadoras de necessidades especiais na ultima década me deu a oportunidade de aprender sobre eles e com eles. Incluir nesta minha aprendizagem de educador o caráter do desenho livre e puro, objeto das Práticas Pedagógicas Programadas – Museu do Desenho, sob a orientação da Professora Betânia, pode me mostrar a verdadeira dimensão do que é aprender. Cristina Selma Duarte Viana
Me chamou atenção nessa PPP a abordagem com a produção, criação e inventividade estética das crianças, de modo geral tudo o que uma criança sente, deseja ou teme é tido pelos adultos como supérfluo ou dissimulado. Com as coletas que realizei foi possível observar o quanto adultos tolhem o livre traçado, a escolha de cores e impõem o modo “certo” de se desenhar. Pouco a pouco a criança é desestimulada acreditando que não sabe desenhar “direito”, por tantas respostas negativas diante da indiferença quando compartilha suas produções. Não raro, adultos tem receio e vergonha de mostrar para alguém seus “rabiscos” por fugirem do realismo e gráficos digitalizados, continuar a prática de desenhar é se permitir expressar o movimento do corpo (porque desenho também é corporeidade), desenhar é como dançar, há aqueles que tem tanta vergonha de seus movimentos que preferem fazê-los em um lugar reservado longe dos olhares curiosos, com a PPP tive a certeza que vale arriscar trazer a público alguns passos e traços dessa caligrafia do improviso, coreografada em ritmos e sons que compõem um pouco de nós: O desenho. Deborah Sá
A partir da pesquisa realizada com o Museu do Desenho, tive a oportunidade de observar os desenhos das crianças de uma maneira que nunca havia visto antes. Pude perceber que os desenhos possuem uma progressão de traços de acordo com a faixa etária das crianças, onde eles podem simbolizar sua realidade e explorar sua criatividade através do desenho. Sendo assim, reconheço agora, o quanto o desenho infantil se compõe de elementos cognitivos das crianças que os criam e o quão necessário se faz essas criações durante suas vidas. Juliana Nunes Hitzschky
O contato com as crianças, a partir desta PPP, me fez ver de outra forma os desenhos infantis. Não damos o devido valor ao vermos uma criança se expressar através dos desenhos, porém é impressionante observar como a criatividade e os sentimentos são demonstrados de forma tão única e humilde. Me dei conta do quão importante é trazer para a sala de aula atividades relacionadas a desenhos e expressão, para que assim, cada criança seja capaz de desenvolver-se de forma livre. Larissa C. H. Fujisaka
Esta PPP teve um alto grau de importância para minha formação como futura professora e atualmente já trabalhando com crianças. Quando comecei a trabalhar na educação infantil eu me perguntava porque todos os dias havia desenhos, e eu, na minha primária concepção, pensava em não colocar tantos desenhos para os meus alunos quando fosse professora, e sim atividades de matemática e linguagem. Depois do projeto pude enxergar o quanto os desenhos ajudam a criança a se expressar, a se comunicar, a desenvolver a coordenação motora e a criatividade e, principalmente, a brincar.Agora observo as crianças com as quais trabalho e vejo com quanto prazer desenham e o quanto elas desenvolvem desenhando. Quando for professora com certeza vou dar e deixar que os meus alunos desenhem. Stela Costa
“Uma, entre tantas lições deixadas por Mário de Andrade, é o compromisso com as diferentes culturas: traduzido em projetos para apresentar o povo brasileiro a ele mesmo. As crianças, e dentre elas aquelas de pouca idade, constituem um pedaço deste povo, por vezes silenciadas, não ouvidas. Mário de Andrade, em sua coleção de desenhos de meninos e meninas, valoriza as manifestações infantis nesta busca pelo povo”. Márcia Gobbi (2005).
Este blog foi elaborado por Deborah Sá com a colaboração de Cristina Selma Duarte Viana, Juliana Nunes Hitzschky, Larissa Cella Hirai Fujisaka e Stlela Costa. Profa. Coordenadora: Betania Libanio Dantas de Araujo
Bibliografia:
GOBBI, Marcia A. Foi respeitada a expressão da criança quando disse o que fez: Mário de Andrade e os desenhos das crianças pequenas. I Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico-Culturais, 5 a 7 de setembro de 2005.